A Morte do Cupido
"Pois é, tinha chegado a altura do ano em que caminhava pelas ruas sem poder olhar para as montras. Era horrível, deprimente, estavam todas decoradas em tons de branco e vermelho e exibiam coraçõezinhos, cupidinhos, ursinhos e outras coisinhas fofinhas e incrivelmente produtorazinhas de vómitos. Enfim, verdadeiras ofensas visuais. Pelo menos era o que tentava pensar, mas sabia bem que apenas detestava o Dia de S. Valentim porque nunca o tinha podido celebrar e isso deixava-a triste, agressiva até. Nessa altura pensava mais e com maior amargura na frase que a irmã lhe dizia, sempre que a procurava para chorar mais uma desilusão amorosa: "Menina, tens um íman para a desgraça!" E era verdade. A sua vida amorosa assemelhava-se claramente a um choque em cadeia; cada embate era mais violento que o anterior e, com o passar dos anos, sentia que o seu coração se tinha transformado numa sucata enorme, na qual se acumulavam toneladas de chapa retorcida e sem aproveitamento. Por isso tomara aquela decisão. Não fora de ânimo leve, tinha pensado muito, analisado bem a situação e todas as possibilidades que daí poderiam advir. Fizera também muitas pesquisas cibernéticas e bibliográficas para julgar a validade daquilo que pretendia e não ser surpreendida com efeitos indesejados. Tinha decidido matar o Cupido. Afinal de contas, era ele o responsável por uma boa parte da infelicidade mundial, para não falar já da sua infelicidade, aquela que lhe doía pessoalmente e que a obrigava a gastar resmas de lenços de papel e a devorar quilos de chocolates. O Cupido tinha de morrer. Desenganem-se os que dizem que o Cupido é uma figura mitológica, lendária, sem existência física. Se a Morte segundo Saramago pode viver as suas intermitências, tirar folgas e fazer greve, porque não poderá uma alma sofredora por amor matar o responsável pelo seu sofrimento? Mas nem sequer via isso como um favor feito apenas a si mesma. Não seria ela a única a chorar por amor. Quantos biliões de pessoas não o teriam já feito? A quantas guerras, disputas, conflitos, mortes e outros acontecimentos trágicos não teria ele, o Cupido, dado origem. Sim, era ele que disparava as setinhas causadoras de paixão, mas o filho da mãe devia ser vesgo ou então não tinha ainda percebido que as setas deviam ser disparadas aos pares. Mas tinha chegado a hora dele. Tinha tudo planeado e não iria deixar-se comover pelo ar de criancinha rechonchuda que o dito ser angelical ostentava. Pensava agora nele como uma criança obesa e possuidora de deformidades fisicas (as asas), o que justificava plenamente o seu homicídio. E acreditava mesmo que o mundo seria muito mais feliz sem amores e sem paixões. Todos viveriam em estado neutro, sem exaltações da alma, sem ardores desmedidos e, o mais importante, sem choraminguices e desesperos. Estava decidido, o Cupido tinha de morrer. Nem sequer devia ser muito difícil matá-lo, ele era pequenino, seria fácil de aniquilar. Claro que nunca tinha cometido um homicidio e isso enervava-a, mas os filmes policiais que fora vendo, ao longo da vida, deviam dar uma ajuda.
Naquele dia, tinha decidido agir..."
Texto de autor desconhecido e sem certezas de continuação
4 Comments:
At 10:03 da tarde,
Anónimo said…
Fofinha! Está tudo óptimo! Já soube do mais recente membro do clube das vóvós e já vi as fotos! :) deve andar nas nuvens!!! tenho de vos visitar urgentemente! as saudades estão a crescer muito.
serás sempre avisada de eventuais promoções :D
At 9:26 da tarde,
Anónimo said…
Mata! Mata! Mata! Mata! Mata! Mata!
At 2:00 da tarde,
Anónimo said…
Desafio para ti no Inquiri! ;)
At 11:12 da tarde,
Anónimo said…
matastes ou não matastes?!
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