Coisas Doces

Nada melhor que um cartucho de coisas doces para adoçar a vida que, sendo adocicada, resvala por vezes para becos salgados, ácidos e até mesmo amargos.

terça-feira, fevereiro 24, 2009

A Morte do Cupido - cap. 2

"O seu plano tinha sido pensado ao pormenor. Decidira agir em casa, na sua própria casa. Assim conseguiria mais facilmente eliminar todas as provas do crime e estaria mais calma por estar no seu espaço, o mesmo que percorria, deambulando lágrimas, noites a fio a lamentar grandes amores perdidos, enquanto se apercebia da sua solidão irremediavelmente gigante e atormentadora.
Se tudo corresse como planeado a coisa iria processar-se mais ou menos desta forma: iria pôr-se à janela e fingir-se-ia interessada num qualquer transeunte ou vizinho, de forma a conseguir a atenção do idiota vesgo das asas. Quando ele chegasse sairia da janela, obrigando-o a entrar com o intuito de lhe acertar com uma das suas setas. Ela agiria depressa, fecharia a janela, assim que ele entrasse, para não lhe permitir a fuga e depois persegui-lo-ia com uma rede de borboletas. Assim que o apanhasse, iria metê-lo no forno, abriria o gás e esperaria que ele ficasse insconsciente. Não podia deixar o gás aberto muito tempo, pois corria o risco de se intoxicar a si mesma. Em seguida, ia afogá-lo na banheira. Inconsciente, ele não ofereceria qualquer resistência. Tinha esperança que, depois de morto, o corpo se diluisse na água tépida (sim, tinha enchido a banheira com água morna, afinal afogar uma criança em água fria parecia-lhe demasiado cruel), mas caso isso não acontecesse, carregaria o cadáver e enterrá-lo-ia no pequeno jardim à entrada do prédio. Até já tinha pensado, uma vez que mais ninguém se ocupava dele, plantar posteriormente uns bolbos de túlipas (sua flor preferida) que lhe tinham oferecido. Afinal, tinha que justificar a terra remexida e o adubo extra iria, de certeza, proporcionar linda flores.
Preparou tudo com antecedência e numa calma avassaladora que a enervava mais do que tranquilizava. Fez tudo como planeado, só que ... a criatura não apareceu. O sacaninha, filha da mãe, agora que era preciso não aparecia. Ficou furiosa! Já era noite escura quando admitiu a derrota e saiu da janela. Chorou de raiva e lamentou a sua impotência. Adormeceu tarde nesse dia e dormiu mal, agitada, nervosa, com sonhos estranhos e assustadores.
No dia seguinte acordou mais calma. Saiu para tomar café e comprar o jornal. Leu: "Encontrada criança morta. Ontem à tarde foi recolhido das águas do Tejo o corpo de uma criança que, segundo testemunhos de pessoas presentes no local, se terá suicidado, atirando-se ao rio Tejo. Fontes policiais indicam que o acontecido está envolto em mistério. A criança estaria disfarçada de Cupido, mas, garante fonte próxima do Instituto de Medicina Legal, até ao momento ninguém conseguiu despir o disfarce nem realizar a autópsia, apesar de todas as tentativas feitas e meios usados. Numa das dobras do lençol que envolvia o corpo foi encontrado um bilhete de suicídio que justificava o acto com o facto de estar, e passamos a citar, "cansado de ser incompreendido". As investigações irão continuar."
Baixou o jornal e chorou copiosamente..."
A autora deste blogue informa que este texto, continuação de outro anteriormente publicado, é de autoria anónima. Esta segunda parte só foi escrita a meu pedido, para satisfazer a curiosidade de muitos dos meus leitores mais assíduos. A autoras, do texto e do blogue, querem esclarecer que ambos os textos são ficcionais e que qualquer semelhança com a realidade terá sido pura coincidência. Mais informam que o conteúdo do que aqui se publicou pode ferir susceptibilidades e não é recomendado a pessoas sensíveis ou românticas.

1 Comments:

  • At 12:41 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Devias ter escrito o aviso antes do texto, pois esta pessoa sensível e romântica sofreu duro golpe com tal trágica narrativa.

     

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